terça-feira, 29 de maio de 2012

Carlos Eduardo Young: a floresta é a solução



O Brasil precisa enterrar uma visão que coloca as florestas como uma barreira ao desenvolvimento. É hora de aproveitar nossa maior riqueza

O recente debate sobre o Código Florestal mostra que, apesar de todo o avanço na conscientização social acerca da sustentabilidade, em importantes segmentos - como no próprio Congresso Nacional -, ainda prevalece a visão de que as florestas representam um entrave ao crescimento econômico. A visão de Economia Verde, tema principal da Rio+20, argumenta exatamente o oposto: florestas não são problema, mas solução para o desenvolvimento equilibrado. A síntese dos motivos que permitem tal afirmação está apresentada na iniciativa Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade (TEEB, na sigla em inglês), que oferece uma série de publicações e narra como a incorporação de práticas de conservação pode se transformar em bons negócios. Além da retórica, o aspecto prático dessa nova visão ganha cada vez mais corpo. No Brasil, o período recente apresenta duas tendências claras no ambiente econômico:


Divulgação

Carlos Eduardo Young - É professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Instituto de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED)

1. Crescimento da preocupação com a "pegada ambiental" dos produtos colocados no mercado.

2. Redução das taxas de juro e apreciação de investimentos produtivos com retornos de longo prazo.

Ambas as tendências tornam mais atraentes as oportunidades de negócios relacionados à conservação de florestas nativas. A começar por uma mudança de comportamento dos consumidores: são cada vez mais evidentes as exigências em relação aos impactos ambientais de bens e serviços adquiridos. O crescente interesse pela certificação ambiental revela que não se trata de modismo temporário, mas de uma tendência firme que se estende para um conjunto cada vez maior de produtos e setores, inclusive no mercado doméstico, e é quase uma exigência em alguns destinos de exportação.

O elemento novo nessa história é que a demanda por certificação ambiental não está mais restrita aos consumidores finais. Empresas e governos estão incorporando critérios de sustentabilidade em suas políticas de compra. As grandes corporações estão sendo pressionadas a apre¬sentar resultados de responsabilidade socioambiental não somente em suas próprias atividades mas também ao longo de sua cadeia de fornecedores. Por outro lado, as políticas de compras públicas são cada vez mais citadas como uma ferramenta de incorporação e difusão de tecnologias e produtos "verdes", o que certamente afetará a dinâmica de seus fornecedores.

Assim, estamos avançando de uma etapa em que as questões ambientais deixam de estar restritas a áreas em que a relação é imediata (produtos madeireiros, pesca etc.) e passam a ocupar espaço cada vez maior ao longo das cadeias produtivas. Um bom exemplo é o da indústria de bicicletas. Por um lado, trata-se de opção de transporte que contribui para a redução de emissões e dos congestionamentos urbanos. Por outro, seu uso cotidiano é altamente recomendado como forma de exercício: ir para o trabalho ou para atividades de lazer pedalando é uma forma de encontrar tempo para aqueles minutos de atividade física que nossa saúde exige e, assim, evitar os problemas do sedentarismo.

Mas as oportunidades de negócios verdes não ficam restritas à fabricação e à venda de bicicletas e seus acessórios. Em um mercado em que a presença do consumidor ecoconsciente se tornará crescente, o fornecimento de insumos identificados com a proteção ambiental pode se tornar também ferramenta de competitividade, tais como pneus de borracha natural com selo de origem amazônica, identificados tanto com a floresta quanto com o seringueiro. Mais: será necessário adaptar a malha viária para a construção de ciclovias, gerando novas formas de projeto e de ocupação das ruas.

UM NOVO OLHAR O segundo aspecto diz respeito ao alongamento do tempo relevante para a análise de investimentos, consequência direta da redução das taxas de juro. As atividades de manejo florestal para extração de produtos madeireiros sempre sofreram com o problema do longo prazo necessário para que a floresta não seja prejudicada pela exploração. Numa situação de taxas de juro altas, empreendimentos cujo fluxo de caixa preveem rendimentos concentrados no futuro acabam quase sempre perdendo para projetos que, embora apresentem menor volume de rendimentos líquidos, têm seu retorno concentrado no curto prazo.

Esse fenômeno é chamado de "imediatismo" e explica em boa medida por que determinadas opções de negócios com sólida possibilidade de rendimentos ao longo do tempo, como o manejo sustentável de exploração madeireira em florestas nativas, não são atraentes para investidores. Assim, entre o rendimento de longo prazo que a floresta pode prover e o retorno imediato gerado pelas pastagens ou pelo cultivo, a decisão de uso da terra geralmente é pela opção de "limpar a mata" - ou seja, remover a floresta - e convertê-la em mais um espaço agropecuário.

Como consequência, desperdiçamos a possibilidade de produzir sustentavelmente madeira e outros produtos florestais e somos campeões mundiais de desmatamento. Por isso, as emissões de dióxido de carbono geradas pelas queimadas durante a "limpeza" da terra no país foram, em 2005, mais de três vezes a soma de todas as emissões dos setores de energia, transporte e indústria. Para ilustrar esse ponto, dada a baixíssima produtividade da pecuária brasileira, deve-se ter em mente que as emissões causadas para colocar um boi a mais na Amazônia são superiores às emissões anuais geradas por mais de 150 carros. Poluímos muito para gerar quase nada em termos de valor agregado.
Na prática, a tendência de redução dos juros torna mais interessantes projetos de uso sustentável de recursos naturais, como o corte manejado de madeira nativa (via concessões florestais) e a gestão de recursos pesqueiros e fontes não convencionais de energia (eólica ou fotovoltaica, por exemplo). Para alcançar essa "competitividade sustentável", é fundamental a capacidade de absorver e gerar novas tecnologias. Uma série de estudos elaborados pelo Grupo de Economia do Meio Ambiente do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostra que o diferencial de competitividade vai se dar em razão da capacidade inovativa da empresa, independentemente da área em que atuar. Em outras palavras, políticas de fomento à inovação são também políticas ambientais, e quem conseguir as melhores soluções para lidar com demandas ambientais, impostas por regulação ou de forma voluntária pelos compradores, terá novas possibilidades de ganho competitivo.

E não podemos nos esquecer do surgimento de novos mercados ligados aos sistemas de pagamento por serviços ambientais. Os mais conhecidos são os mercados de créditos de carbono, que, embora deprimidos pela crise financeira internacional, deverão se recuperar com a retomada do crescimento e incorporar benefícios à conservação florestal por meio das reduções de emissões por desmatamento e degradação florestal. A ideia é que ações de preservação de florestas irão gerar créditos negociáveis de redução de emissão. E o Brasil apresenta grande potencial nessa área, desde que a legislação florestal não regrida.

Além dos créditos de carbono, pagamentos associados aos serviços de proteção dos fluxos hídricos estão se tornando cada vez mais usuais. Há várias experiências pioneiras no Brasil, especialmente nas bacias hidrográficas próximas aos grandes centros urbanos ou onde a agricultura demanda fontes regulares de água para irrigação. Do mesmo modo, já se discute também a criação de créditos transacionáveis de biodiversidade. Projetos que de algum modo prejudiquem a biodiversidade em certo local poderiam compensar suas ações por meio do investimento em projetos de proteção na mesma região ou em outras partes do bioma. Desse modo, o efeito líquido para a biodiversidade não será negativo.

É claro que o grau de incerteza e desconhecimento sobre a importância da biodiversidade para a manutenção de processos essenciais para a vida humana e suas atividades - economia, sociedade etc. - ainda é muito alto. Mas fica cada vez mais evidente que os recursos genéticos e as relações ecossistêmicas terão papel crucial no desenvolvimento da ciência e de novas tecnologias. Por isso, em vez de insistir no desmatamento que enriquece alguns mas pouco desenvolvimento traz, o Brasil deve aprender a investir e a lucrar na conservação do que nos torna o detentor da maior biodiversidade do planeta. Manter a maior extensão de florestas tropicais do mundo não é um problema, mas o que nos torna ainda melhores.


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