quarta-feira, 4 de julho de 2012

Criatividade não é petróleo



Estamos exaurindo o planeta, e o que resta agora é um futuro de fome, falta de água, aquecimento global... Certo? Não, porque a Terra tem um recurso natural infinito: a inventividade humana. E ela pode fazer mais do que parece


Alexandre Versignassi
Superinteressante - 06/2012

O mundo estava acabando em 1915. A população de cavalos nos EUA tinha chegado a um ponto insustentável. Eram 21 milhões de animais consumindo, cada um, 4 toneladas de comida por ano, entre grãos e alfafa. Um terço das terras agricultáveis dos EUA estava dedicado à alimentação deles. Mas não dava para viver sem cavalos. A agricultura dependia dos quadrúpedes. Sem cavalo para puxar arado, você não tem plantio de larga escala. E sem plantio de larga escala não dava para alimentar uma população mundial que já roçava a marca de 2 bilhões de habitantes. Mas agora a conta ameaçava não fechar mais. Era a profecia do economista Thomas Malthus virando realidade: a Terra não teria condições de suportar bilhões de pessoas. Malthus tinha previsto isso lá atrás, em 1798. Os donos do dinheiro não deram ouvidos. E agora, em pleno 1915, era tarde demais. Mas não. Se você está lendo este texto agora é porque passamos bem pela crise da superpopulação equina. E o herói que salvou o mundo dessa tem nome: petróleo. 

O motor à combustão interna, na forma de tratores e carros, substituiu os cavalos. E o petróleo tomou o lugar dos grãos e da alfafa no papel de fonte de energia, liberando terras para o plantio de comida para humanos. De quebra, um subproduto da produção de petróleo, o gás natural, virou a base para a produção de fertilizantes - sem os quais não daria mesmo para alimentar bilhões de cabeças humanas. E hoje uma parte razoável do que você come passou por uma fábrica de fertilizantes antes de entrar na sua boca - carvão, gás e ar, a matéria-prima dos insumos agrícolas, entraram para o nosso cardápio. Ainda bem. O boom na produção de comida alimentou outro: a da produção de riqueza na forma de bens materiais.

Essa sim, e não a população, cresceu de forma exponencial, como traduz o jornalista inglês Matt Ridley em seu livro O Otimista Racional: "A classe média americana de 1955, luxuriante em seus carros, confortos e aparelhos elétricos, hoje seria descrita como ´abaixo da linha da pobreza` nos EUA. Hoje, dos americanos oficialmente designados como pobres, 99% têm energia elétrica e geladeira, 95% têm televisão". No Brasil, o salto é até mais espantoso, já que nosso boom de produção de riqueza é bem mais recente. Em 1992, um quarto dos domicílios não tinha televisão. Em 2009, 95,6% tinham. A penetração das máquinas de lavar quase dobrou desde 1992 para cá: de 24% das casas para 44%. E tem os celulares. No ano 2000, a Finlândia chegava à marca de um celular por habitante. Em 2010, o Brasil ultrapassou. E hoje temos 247 milhões de linhas, ativas, contra 195 milhões de habitantes.

Mas agora a prosperidade é a vilã. O discurso comum é o de que, nesse ritmo, a Terra não aguenta. Haja lítio para tanto celular. Haja carvão para tanto consumo de energia. Haja fertilizante para os trabalhadores braçais que hoje se alimentam mais e melhor que o rei Henrique 8º. A conta também não fecha mais para o motor de combustão interna. Nem para o carvão como fonte de energia - não dá mais para brincar com as emissões de CO2, e com o clima. E tem a água: a produção de 1 kg de carne demanda 15 mil litros de água. E com bilhões de Henriques 8ºs por aí, o planeta chia: hoje 2,7 bilhões de pessoas sofrem com falta de água pelo menos durante um mês por ano. 

Ilustração Bruno Luna

ESSENCIAl


Mas, de novo, nada disso significa que Thomas Maltus estava certo. A tecnologia que nos livrou do caos lá atrás agora nos leva a outro caos. Ok. Só que já começam a pipocar soluções. Na ponta da energia, há o "carvão limpo" - termelétricas que eliminam o CO2 da fumaça que emitem. Os gastos com essa filtragem seriam cobertos com um aumento de 30% na conta de luz - indigesto, mas viável. E a fusão nuclear, que não deixa resíduos radiativos e promete energia virtualmente infinita, continua no horizonte. Na ponta da água, a solução pode estar numa criação do inventor do Segway, Dean Kamen: um aparelho capaz de transformar água salgada (e de esgoto e de rios poluídos) em água potável. Cada unidade, do tamanho de um frigobar, produz mil litros de água por dia - havendo energia limpa e barata para que esses "frigobares" possam trabalhar, teremos água para tantos quantos cavalos ou Heriques 8ºs existirem no mundo. Tudo isso é a salvação da lavoura?

Não. Temos muito a resolver antes de decretar a viabilidade de um mundo para 10, 20 bilhões de pessoas. Mas iniciativas desse tipo mostram um ponto que Thomas Malthus e outros profetas do apocalipse não costumam levar em conta: o de que a inventividade humana não é petróleo. Não é um recurso finito.

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